A casa
(Elegia para Quindor)
Mas, contrariando os que dizem
que “um dia a casa cai”,
ela teima e continua em pé.
A casa viverá para sempre
no canto dos galos de madrugada
no rangido das redes
nas travessas e armadores
gastos pelo tempo
no mugido das vacas
que dormiam no curral ao lado
no latido do cachorro
que espantava o gado alheio
das cercas das roças
A casa viverá para sempre
nas estórias-de-alma
que meu avô contava
nas cobertas de retalhos
que nos esquentavam
no frio do mês de junho
e nas noites de chuva grossa
no cheiro forte dos cachimbos
e dos cigarros de palha
nos canteiros de fumo
que cresciam para ser mudados
e no vai-e-vem das mãos-de-pilão
com seu ritmo cadenciado
A casa viverá para sempre
no “tibungo” do copo
na água barrenta do pote
que nos matava a sede
nos banhos escondidos
no Rio da Barroquinha
nos buquês de flores de cipó-branco
que nós chamávamos “jejum”
nos brincos de crista-de-galo
e nas festas das pitombas
que aconteciam “dia-de-ano”
sempre com muita alegria
A casa viverá para sempre
no cheiro do bamburral
e no azedo das folhas de vinagreira
nas urupembas cheias
de imbus maduros
e de goiabas cheirosas
nos fojos de atas
no sabor inesquecível
da coalhada com rapadura
e das petas e leitoas assadas
no forno de lenha
nos pratos de escaldado
e nas panelas de sarapatel
A casa viverá para sempre
nas cebolas com manteiga
para aplacar a tosse
e no amargor do leite de carro-santo
sarando nossas feridas
nos cavalos de tala de carnaúba
e nas pulseiras que fazíamos
com sementes de figuinho
que enfeitavam nossos braços
e sonhos de criança
A casa viverá, sobretudo,
nos nomes e iniciais
esculpidos nas paredes
e nas pedras do peitoril
que ficarão gravados
e na memória
para a eternidade…
Bocaina – PI, 25 de julho de 2013.
Deolinda Marques