Brasil: Entre Cordéis e Lendas

Brasil: Entre Cordéis e Lendas.

Foi publicada, agora em abril/2021, pela Central do Cordel (Santana – BA), a antologia Brasil: Entre Cordéis e Lendas, com a participação de 29 (vinte e nove) escritores, oriundos de 13 (treze) estados do Brasil, na qual está incluída a participação de Deolinda Marques, uma das sócias do Museu Neno.
A obra apresenta lendas de várias regiões do Brasil, escritas na forma de cordel. Anteriormente escrita em prosa, Deolinda construiu uma versão da lenda dO Bezerro de Ouro do Morro Grande em versos de cordel.
Dada a abrangência da publicação, nossa cultura ganha o mundo com a divulgação dessa lenda:

 

O Bezerro de Ouro do Morro Grande

O Morro Grande encanta
Pela sua formação;
Um caprichoso desenho,
Seu pico, sua elevação.
É o monte mais querido
De toda a população.

Antes, tão rico em pastagem
Era do gado o destino.
O campo dos aviões,
Mistério para menino.
E o canto das seriemas
Que soava como hino.

Vista privilegiada
De toda essa região
A cruz no ponto mais alto
(Marco da religião),
Herança dos mais antigos,
É símbolo de devoção.

Acreditada por todos,
E a lenda mais conhecida
(A do Bezerro de Ouro)
E dessa ninguém duvida.
Por nossos antepassados,
Foi contada e transmitida.

Cresci ouvindo essa história
Que nosso avô nos contava.
A de um Bezerro de Ouro
Que lá no morro morava.
Ser dono do bezerrinho,
Todo menino sonhava.

O Bezerro de Ouro tem
Uma origem mitológica.
Pra muitos é fantasia,
Crença sem nenhuma lógica.
Pode ser utilizada
Como história pedagógica.

O deus dos romanos era
Como Baco conhecido,
Que tem forma de animal,
Sendo um leão destemido.
Na mitologia grega
Homem-touro é esculpido.

Está na cultura egípcia
A mais popular versão:
A figura do deus Ápis
Outro elemento pagão.
É a alma de Osíris.
Um boi sua formação

O Minotauro de Creta
Que a mitologia atesta.
O Deus Ápis, um boi preto
Com mancha branca na testa.
Assim, o nosso Bezerro
De Ouro, ninguém contesta.

O povo egípcio cansado
De, por Moisés, esperar.
Cada vez mais revoltado,
Faz Arão arrecadar
Todo brinco de mulher
Para um deus poder moldar.

Fez um bezerro de ouro
Que se tornou venerado.
Todo esse primórdio bíblico,
Que foi no Êxodo narrado:
A versão mais semelhante
À do bezerro encantado.

Nosso bezerro é bonito,
De raça, muito famoso.
Tem uma estrela na testa
Que ostenta todo garboso.
Mesmo sendo inda novinho,
Tem aspecto grandioso.

É um bezerro monjolo,
Muito gordo e raceado.
Tem pelo muito brilhante,
E pontas de chifre armado.
A sua estrela da testa
É diamante cravejado.

É feito todo de ouro
Maciço e tão bem polido.
Brilhante igualmente ao Sol,
Jamais será esquecido.
Só foi visto por bem poucos,
Por muitos é perseguido.

É mistura mitológica
Com elemento pagão,
Despertando o interesse,
A cobiça e ambição.
Encanta muito as crianças;
Sonhos e imaginação.

Tia Alice sempre afirmava
Com toda convicção
Que esse bezerro é enorme.
Bonito, mas valentão.
Pontas finas, bem armadas,
Mas ainda em formação.

Ficando bem enterrado
No cocuruto do morro.
Cabeça embaixo da cruz
Parece pedir socorro.
Deitado, bem escondido,
Pois tem medo de cachorro.

O seu mugido se escuta
Em todo nosso torrão,
Como um bezerro enjeitado
(Choro de lamentação),
Chamando por sua mãe;
Querendo amamentação.

Quando o bezerro se acorda
Causa grande movimento.
A mata toda balança
Como arrastada por vento.
Faz-se um barulho estrondoso
Um cenário violento.

Depois de sono profundo,
Acorda muito zangado.
Provoca estremecimentos,
Um grande estrago é notado
Pedras rolam morro abaixo
Pé de pau é arrancado.

Deixa clareira na mata
Por muito tempo pelada.
Tal fato sempre acontece
Na mais alta madrugada.
Quando se perde uma joia
Rapidamente é “chupada”.

Se mulher perder um brinco
Cordão de ouro ou pulseira
Procura-se a miúdo
Encontrar é brincadeira!
Some tudo de repente
Não se vê nem a poeira.

A joia mais cobiçada
É a famosa aliança,
Fazendo os homens perdê-la
Numa espécie de vingança.
Nem adianta procurar,
Alimentar esperança.

Como um verdadeiro encanto,
O ouro desaparece.
Todo mundo já perdeu
E sabe como acontece.
Pedido a São Longuinho?
Nem precisa fazer prece!

Chupa todo ouro perdido
Com uma légua de distância.
Todos querem encontrá-lo,
Principalmente na infância.
Para adquirir riqueza
Num desejo de ganância.

Toda criança acredita
Que ouro é sua comida.
Que se encontrar o vitelo
Não terá outra saída:
Laçar o bicho e ficar
Rica pro resto da vida.

Hoje, muitos acreditam
Que o bezerro foi achado
Por homens americanos
Inda no século passado,
Quando pousava avião
E o morro fora escavado.

Porém, se ele é encantado,
Lá deve continuar
Porque, em anos de seca,
Sempre se escuta berrar
Um bezerro desmamado,
Que parece até chorar.

Quem gosta de fazer trilha,
De aventura ou caminhar,
Escalar o Morro Grande,
Bem antes do Sol raiar,
Além do lindo cenário,
Pode o bezerro encontrar.

Esse Bezerro de Ouro,
Vivo na imaginação
Das crianças bocainenses,
Não é símbolo de ambição.
É tão somente uma lenda
Guardada no coração.

Nosso bezerro é querido
E por todos estimado,
Mas não como um deus pagão.
Como um presente sagrado,
Enriquecendo a cultura;
Nos remetendo ao passado.

Se ele existe de verdade,
Disso ninguém tem certeza.
Mas a paisagem do morro
Permite ver com clareza:
Precisamos preservar
A lenda e a natureza.

Declarei em voz bem alta
Essa riqueza sem par.
Ostentei toda beleza
Louvando nosso lugar;
Incentivando a cultura,
Narrando pra relembrar;
Demonstrando seu prestígio,
Ao, nossa lenda, contar.

FIM


Deolinda Marques

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